A noite era fria, insuportavelmente fria. Quem se importa?
Eu certamente não me importava. Para que se importar, não é mesmo? O que um
cara frustrado e solitário como eu tem a perder em uma noite fria no bar?
Dinheiro e o pouco de sanidade que lhe resta, provavelmente. Que se dane.
Entrei no bar,
queria apenas mergulhar em suas luzes vulgares e sua atmosfera mundana. Não
procurava por mulheres ou por brigas. Uma taça de vinho era o que bastava. Não
sei ao certo se ali era servido vinho, se fosse era provavelmente algum bem
vagabundo.
O local estava quase
vazio. Não avistei garçons, nem bêbados clamando por canecas de chope.
Acreditei estar sozinho, até notar a presença de uma mulher sentada sobre uma
das mesas mal iluminadas. Só metade do seu rosto podia ser vista, ah, que bela
metade: tinha lábios cheios, uma pele tão alva que não parecia real e cabelos castanhos,
longos e ondulados, que emolduravam sua face perfeitamente. Ela trajava um
vestido vermelho que brilhava levemente sob a lâmpada.
- Você parece frustrado... – Ela disse, sua voz aveludada e
os olhos verde-esmeralda frios como aquela noite.
- Sim, eu estou frustrado.
– Não havia motivo para negar. Um bar como aquele parecia capaz de
abrigar apenas dois tipos de pessoa: as incrivelmente alegres, que não se
importavam em comemorar o que quer que fosse em qualquer lugar; e as totalmente
frustradas, que já não ligavam para a decadência.
Porém, a dama de vermelho se enquadrava em um terceiro tipo
que eu não conseguia definir.
- Você quer falar mais sobre isso? – Ela perguntou. Naquele
momento conseguia ver seu rosto completamente, tão sedutor mesmo quando sua
expressão era quase indiferente.
- Posso resumir para você: Sou um escritor fracassado, não
consigo publicar nada e sempre que me entrego a uma mulher que me despertou
algum sentimento mais profundo, quando escrevo algo mais do que decente e acho
que minha vida está iluminada, vem o apagão.
- Eu compreendo a sua situação... – A mulher disse, olhando
diretamente para os meus olhos. – Não há muitas pessoas que gostam de mim...
Acho que é por causa do meu trabalho.
- Por acaso seu trabalho ofende as pessoas? – Encarei-a de
volta, contendo um sorriso malicioso.
- Alguém tem que fazer o que eu faço, compreende? Eu ofereço
minha casa para os insatisfeitos como você, isso é um pouco incompreensível.
Mas as pessoas realmente se ofendem quando eu levo quem elas mais prezam para
lá, sem mesmo avisar: pais, mães, crianças... Não é minha culpa se eles são
bombas-relógio. – Ela explicava tudo calmamente, o que tornava a conversa
doentia.
- Desculpe-me, mas isso tudo soa doentio... Sequestrar
pessoas? Levar crianças para sua casa? Eu realmente espero estar lhe entendendo
mal... – Eu disse com cautela, dando dois passos para trás.
Ela ficou em silêncio por um instante e depois seu riso
debochado e deleitoso ecoou no bar.
- Eu não causo dor a ninguém. – A mulher disse quando voltou
a ficar séria – O que causa a dor é a doença, a intolerância, a frustração. Meu
trabalho é apenas tirar as pessoas desse mundo, que é cheio de todas essas
coisas.
Eu olhava para ela, incrédulo. Minha cabeça parecia ter solucionado a
charada, mas eu me recusava a acreditar.
- Você quer vir comigo? – Ela perguntou e sorriu levemente.
- Eu acho que só tenho a você... – Respondi, sinceramente,
enquanto me aproximava dela – Você será gentil comigo?
- Eu sou sempre gentil – A dama de vermelho desceu da mesa.
Sua mão alva traçou uma linha das costas da minha mão esquerda até a minha
nuca, acariciou meus cabelos e puxou meu rosto vagarosamente até que eu ficasse
a centímetros do rosto dela. – Você sabe que não há caminho de volta, não sabe?
- Eu sempre soube – Minha respiração era audível. – Mas
quero ir até o fim.
- Que assim seja – Ela sussurrou antes de nossos lábios se
encontrarem.
E quando eles finalmente se encontraram, eu me perdi.
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Bom, esse conto é muito diferente dos outros que publiquei, gostaria muito de saber a opinião de vocês sobre ele!
Até mais!!
Esse conto dá uma nova visão a Dama de Vermelho que meu pai tanto adora... Gostei do tom, por assim dizer, sombrio. Ficou bom sim... E, apesar de fácil, o trabalho de dedução posto no texto, sem que precise escrever o que realmente as coisas são, ficou bem interessante!
ResponderExcluirFicou ótimo o seu texto! O conto é interessante e diferente, eu gostei muito!
ResponderExcluirBeijos Larissa
Muito bom o conto. Gostei de tudo. Essa coisa de escritor fracassado é mais real do que a gente pensa.
ResponderExcluirBjs,
Dani|http://www.avidaemletras.com/
Deveras intrigante, muito bom Nana, gostei! Beijos.
ResponderExcluirMuito bom, Anaís! Se você entrar no meu blog, tem um bem parecido: "Senhora".. Mas ficou ótimo, mais dark que o meu! Entra no meu http://sonhosdepapelmeus.blogspot.com.br/
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