domingo, 13 de janeiro de 2013

Conto: A Dama de Vermelho


  A noite era fria, insuportavelmente fria. Quem se importa? Eu certamente não me importava. Para que se importar, não é mesmo? O que um cara frustrado e solitário como eu tem a perder em uma noite fria no bar? Dinheiro e o pouco de sanidade que lhe resta, provavelmente. Que se dane.

  Entrei no bar, queria apenas mergulhar em suas luzes vulgares e sua atmosfera mundana. Não procurava por mulheres ou por brigas. Uma taça de vinho era o que bastava. Não sei ao certo se ali era servido vinho, se fosse era provavelmente algum bem vagabundo.

  O local estava quase vazio. Não avistei garçons, nem bêbados clamando por canecas de chope. Acreditei estar sozinho, até notar a presença de uma mulher sentada sobre uma das mesas mal iluminadas. Só metade do seu rosto podia ser vista, ah, que bela metade: tinha lábios cheios, uma pele tão alva que não parecia real e cabelos castanhos, longos e ondulados, que emolduravam sua face perfeitamente. Ela trajava um vestido vermelho que brilhava levemente sob a lâmpada.

- Você parece frustrado... – Ela disse, sua voz aveludada e os olhos verde-esmeralda frios como aquela noite.

- Sim, eu estou frustrado.  – Não havia motivo para negar. Um bar como aquele parecia capaz de abrigar apenas dois tipos de pessoa: as incrivelmente alegres, que não se importavam em comemorar o que quer que fosse em qualquer lugar; e as totalmente frustradas, que já não ligavam para a decadência.

Porém, a dama de vermelho se enquadrava em um terceiro tipo que eu não conseguia definir.

- Você quer falar mais sobre isso? – Ela perguntou. Naquele momento conseguia ver seu rosto completamente, tão sedutor mesmo quando sua expressão era quase indiferente.

- Posso resumir para você: Sou um escritor fracassado, não consigo publicar nada e sempre que me entrego a uma mulher que me despertou algum sentimento mais profundo, quando escrevo algo mais do que decente e acho que minha vida está iluminada, vem o apagão.

- Eu compreendo a sua situação... – A mulher disse, olhando diretamente para os meus olhos. – Não há muitas pessoas que gostam de mim... Acho que é por causa do meu trabalho.

- Por acaso seu trabalho ofende as pessoas? – Encarei-a de volta, contendo um sorriso malicioso.

- Alguém tem que fazer o que eu faço, compreende? Eu ofereço minha casa para os insatisfeitos como você, isso é um pouco incompreensível. Mas as pessoas realmente se ofendem quando eu levo quem elas mais prezam para lá, sem mesmo avisar: pais, mães, crianças... Não é minha culpa se eles são bombas-relógio. – Ela explicava tudo calmamente, o que tornava a conversa doentia.

- Desculpe-me, mas isso tudo soa doentio... Sequestrar pessoas? Levar crianças para sua casa? Eu realmente espero estar lhe entendendo mal... – Eu disse com cautela, dando dois passos para trás.

Ela ficou em silêncio por um instante e depois seu riso debochado e deleitoso ecoou no bar.

- Eu não causo dor a ninguém. – A mulher disse quando voltou a ficar séria – O que causa a dor é a doença, a intolerância, a frustração. Meu trabalho é apenas tirar as pessoas desse mundo, que é cheio de todas essas coisas.

Eu olhava para ela, incrédulo.  Minha cabeça parecia ter solucionado a charada, mas eu me recusava a acreditar.

- Você quer vir comigo? – Ela perguntou e sorriu levemente.

- Eu acho que só tenho a você... – Respondi, sinceramente, enquanto me aproximava dela – Você será gentil comigo?

- Eu sou sempre gentil – A dama de vermelho desceu da mesa. Sua mão alva traçou uma linha das costas da minha mão esquerda até a minha nuca, acariciou meus cabelos e puxou meu rosto vagarosamente até que eu ficasse a centímetros do rosto dela. – Você sabe que não há caminho de volta, não sabe?

- Eu sempre soube – Minha respiração era audível. – Mas quero ir até o fim.

- Que assim seja – Ela sussurrou antes de nossos lábios se encontrarem.

E quando eles finalmente se encontraram, eu me perdi.


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Bom, esse conto é muito diferente dos outros que publiquei, gostaria muito de saber a opinião de vocês sobre ele! 

Até mais!!

5 comentários:

  1. Esse conto dá uma nova visão a Dama de Vermelho que meu pai tanto adora... Gostei do tom, por assim dizer, sombrio. Ficou bom sim... E, apesar de fácil, o trabalho de dedução posto no texto, sem que precise escrever o que realmente as coisas são, ficou bem interessante!

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  2. Ficou ótimo o seu texto! O conto é interessante e diferente, eu gostei muito!
    Beijos Larissa

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  3. Muito bom o conto. Gostei de tudo. Essa coisa de escritor fracassado é mais real do que a gente pensa.
    Bjs,
    Dani|http://www.avidaemletras.com/

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  4. Deveras intrigante, muito bom Nana, gostei! Beijos.

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  5. Muito bom, Anaís! Se você entrar no meu blog, tem um bem parecido: "Senhora".. Mas ficou ótimo, mais dark que o meu! Entra no meu http://sonhosdepapelmeus.blogspot.com.br/

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