Era uma adorável
vizinhança: Casas de madeira coloridas e bem cuidadas, canteiros simpáticos e
pessoas simpáticas. Porém, tanta simpatia era muitas vezes exposta em conversas
superficiais entre pessoas que secretamente se detestavam. Entediada, uma
garota pensava em tudo isso enquanto observava, da janela de seu quarto, a rua
vazia.
Eram oito e meia da
manhã de um domingo e a garota bebia chá de hortelã, sua bebida favorita, em
uma caneca azul-bebê. Sua bolsa de pano multicolorida já abrigava sua câmera
fotográfica e ela esperava. Após
terminar seu chá, viu o garoto acenando na janela. Sorriu, trançou seus cabelos
castanhos rapidamente, pegou sua bolsa, desceu as escadas e abriu a porta da
frente.
- E aí, Mitchell – Ela disse, dando um soquinho no punho
fechado do menino, que já esperava por aquele cumprimento.
- E aí, Hortelã. Pronta para a aventura fotográfica de hoje?
– Mitchell sorria de maneira debochada.
- Claro que sim! – Hortelã sorriu por causa de tudo: do
apelido que tanto gostava, do exagero ao falar do que eles faziam todos os
domingos e até mesmo por causa do sorriso debochado, que costumava irritá-la há
seis meses. – Aonde vamos hoje, companheiro de jornada?
- Que tal voltarmos àquele gramado? No dia em que estivemos
lá o sol estava a mostra, mas hoje parece que conseguiremos algumas fotos em
cenário chuvoso. – Disse isso enquanto bagunçava a franja dela, fazendo um
topete que logo se desmanchou. Ela franziu o nariz e assoprou a própria franja.
- É uma boa ideia. Que tal a gente andar e você parar de
mexer no meu cabelo? – Ela franziu as sobrancelhas e sorriu.
- Por acaso você está sob a influência de problemas
femininos, Hortelã? Hein? – Ele disse, afastando a mão dos cabelos da menina e
arqueando a sobrancelha direita. – Porque se este é o caso, eu acho que estou
correndo perigo...
- Deixa de ser idiota. – Hortelã revirou os olhos – Vamos!
Ela saiu correndo em
disparada para o gramado.
- Ei! Espera aí! – Mitchell se controlou para não gritar e
saiu correndo em seguida. “A baixinha
não vai aguentar muito tempo”, pensou. Mas só foi encontrar a menina no
gramado, deitada de braços abertos, arfando.
- Poxa, até que você corre né, baixinha? – Ele disse
enquanto sentou ao lado de Hortelã.
- São só oito centímetros de diferença entre a minha altura
e a sua, Mitchell. E eu acho que a mochila nas suas costas dificultou a corrida
pra você... Mas chega de conversa fiada
– Ela exclamou com empolgação e
levantou-se – Vamos fotografar!
- Tem razão, a mochila atrapalhou bastante... Hoje eu trouxe
meu rádio a pilha, como prometi há semanas. – A empolgação tomou conta dele
também.
- Conseguiu arrumar? – Hortelã estava surpresa e ainda mais
animada.
- É, meu pai consertou. Trouxe um pouco de Elvis hoje. – Os olhos
de Mitchell brilhavam, aquele brilho da juventude que Hortelã tanto admirava e
não reconhecia em si mesma.
- Legal! Tem Blue Suede Shoes? Essa é boa pra contrastar com
a atmosfera do dia.
- Por quê? Você não está se sentindo bem? – O brilho dos
olhos do garoto se esvaiu lentamente.
- Não, não, estou dizendo isso por causa do tempo nublado.
Mas obrigada por perguntar, no fim das contas você não se preocupa só com a
minha franja. – Foi a vez da menina de mostrar um sorriso debochado.
- Está toda engraçadinha hoje, né? – Ele disse enquanto
ligava o rádio, que já estava com o CD que ele preparara especialmente para
aquela manhã. – Faixa cinco, voilà.
A voz de Elvis
Presley foi a única voz que se ouviu no gramado por alguns minutos. Uma
borboleta lilás rodeou Hortelã, que vagarosamente tirou a câmera da bolsa e
começou a tentar fotografá-la. Observando a cena tão adorável e fotogênica,
Mitchell retirou sua câmera da mochila para também se concentrar em tentativas
fotográficas.
Quando a menina
pareceu satisfeita com as imagens que capturou, o menino casualmente apontou a
lente para as nuvens densas e escuras. Logo depois, guardou a câmera e disse:
- Acho que nunca te perguntei isso, mas o que você sente ao
fotografar? – Mitchell
estava realmente intrigado por essa pergunta que, de
repente, invadiu sua mente.
- Bom... Isso pode soar um pouco possessivo, - ela disse,
enquanto guardava sua câmera também - mas com a fotografia eu posso ter coisas
que nunca serão minhas de verdade, posso colecionar o que eu quiser apenas com
o registro, apenas em forma de lembrança, e isso me satisfaz. De que outra
forma você poderia guardar e eternizar o céu cinzento de hoje, o jeito das
plantas rasteiras se curvarem com o vento, a forma como Elvis Presley está
cantando só para nós nesse momento?
- Sabe... Você é exatamente como chá de hortelã. – O garoto
sentou-se no gramado e sentiu as gotas finas de chuva em sua pele.
- Como assim? – Hortelã disse enquanto sentou-se ao lado de
Mitchell.
- Bom... Você é... Quente e refrescante ao mesmo tempo. –
Ele disse e olhou pra ela.
Os dois caíram na gargalhada.
- O que é isso, Mitchell! – A menina disse, entre o riso –
Assim eu fico constrangida!
- É sério! – Ele disse, ainda rindo um pouco. – É que... Eu
me sinto confortável com você. Eu não preciso me esforçar para ser algo além do
que eu sou, fingir que eu gosto de futebol ou de bandas novas ou dizer que
fotografia é só um hobby para passar o tempo.
Isso é o que eu chamo da parte quente, não me leve a mal. A parte quente
é esse conforto e a parte refrescante são essas suas ideias incríveis, eu não
conseguiria expressar de forma melhor o que eu sinto ao fotografar, você acha
sempre uma forma diferente... – Ele foi interrompido pelo dedo indicador da
garota em seus lábios e um suave pedido de silêncio: shhhh.
- Você é o melhor amigo que eu já tive, Mitchell. – Hortelã
disse. – E eu amo você. Até seu sorriso debochado. Até quando mexe na minha
franja. E agora eu acho que... Eu quero que você me beije. – Ela tirou o dedo
dos lábios do garoto e continuou encarando-o, maravilhada e insegura.
Quando Hortelã se
deu conta, seus lábios encontraram os lábios de Mitchell, sob uma chuva
torrencial, ao som de Love Me Tender.
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Que tal? A ideia veio na sexta-feira e eu adorei escrevê-lo!
Até o próximo post!